quinta-feira, 11 de junho de 2015

O FALAR EM LÍNGUA NO II E III SÉCULOS

OS PONTOS E OS CONTRA PONTOS NO FALAR EM LINGUAS NO ENTENDIMENTO  II e III SECULOS

Irineu (c.115-200), expõe o seu conceito sobre o falar em línguas (glossolalia). Nos da a entender que se refere a uma falar em língua de forma idiomática. 
Na sua obra apologética 'Contra Heresias', descreve condenando as ações de um certo Marcos que “profetizava”. Segundo Irineu, Marcos transmitia o seu charis (“dom”) levando outros a “profetizar”. Seduzia mulheres prometendo a charis. Quando essas mulheres supostamente recebiam o charis, falavam algo sem sentido:
“Então ela, de maneira vã, imobilizada e exaltada por estas palavras e grandemente excitada... seu coração começa a bater violentamente, alcança o requisito, cai em audácia e futilidade, tanto quanto pronuncia algo sem sentido, assim como lhe ocorre”. (Contra Heresias I, XIII, 3)69
Para Irineu o “profetizar” de Marcos era como “pronunciar algo sem sentido”, caracterizando uma fala não-idiomática (idioma desconhecido). Para Irineu, o falar em línguas não possuía semelhança com elocuções não-idiomáticas.
Irineu também se refere ao dom de línguas dos apóstolos e da época em que vivia. Cita II Co. 2:6, explicando que presenciou o falar em línguas, mas, com tudo o falar em línguas idiomáticas:
“... nós também ouvimos muitos irmãos na Igreja,... e que através do Espírito, falam todos os tipos de línguas, e trazem à luz para o benefício geral as coisas escondidas dos homens, e declaram os mistérios de Deus...”. (Contra Heresias V,VI,1)70
Ao informar que falam todos os tipos de língua, Irineu parece se referir a línguas que admitem classificação. A partir disto, presume-se que não se deva tratar de uma glossolalia não-idiomática. A glossolalia não-idiomática pode ser vista como uma “glossa” (como chama Patterson), naturalmente “uma” e não várias. Conclui-se que o peso da terminologia indica que Irineu se referiu aqui a uma linguagem idiomática. Parafraseando, “os irmãos falavam em todos os tipos de idiomas naturais”.

Montano (c.150-200), contemporâneo de Ireneu pensava de forma antagônica, sendo adepto ao êxtase religioso, com elocuções não-idiomáticas, semelhantes à glossolalia. De acordo com descrições de Apolinário (c.170 A.D.), registradas por Eusébio (c.265-?), Montano entrou em uma espécie de delírio. Ele acreditava que “encheu” duas mulheres com um “Espírito”, e elas falavam em línguas não-idiomáticas:
“ficou fora de si e [começou] a estar repentinamente em uma sorte de frenesi e êxtase, ele delirava e começava a balbuciar e pronunciar coisas estranhas, profetizando de um modo contrário ao costume constante da igreja (...) E ele, excitado ao lado de duas mulheres, encheu-as com o falso espírito, tanto que elas falaram extensa, irracional e estranhamente, como a pessoa já mencionada.” (História da Igreja V,XVI:8,9 – colchetes do editor) 74
Depreende-se deste texto que o fenômeno lingüístico montanista envolvia: (a) uma forte expressão emocional, deduzida das menções de “êxtase”, “frenesi” e delírio; (b) o texto indica uma linguagem não-idiomática, de “balbucios”, e um falar “estranho”, “irracional”.  

Tertuliano (150-220), convertido ao montanismo por volta de 206, desafia Marcion a exibir os dons espirituais de sua comunidade, citando “uma interpretação de língua”:
“...um salmo, uma visão, uma oração, que isto seja somente pelo Espírito, em um êxtase, que é em um rapto, sempre que uma interpretação de línguas tenha ocorrido a ele (...) todos estes sinais (ou dons espirituais) estão à disposição, do meu lado sem qualquer dificuldade”. (Contra Marcion V:3)76
Tertuliano apresenta a “interpretação de línguas” ocorrendo a partir de um “êxtase que é um rapto”. Mas perceba-se que não apenas a “interpretação” e uma “visão” ocorrem em “um êxtase”. Tertuliano dá a entender que o êxtase ocorria até na composição de um “salmo”, ou numa “oração”. Todavia deve-se lembrar que, dentre os fatores que levaram Tertuliano a tornar-se montanista, estava o descontentamento com a igreja romana por ter apoiado um massacre de compatriotas cartagineses.
Mas, ainda quanto ao montanismo, é fundamental perceber que aquele falar não-idiomático era “estranho” para a igreja do segundo século. A linguagem não-idiomática dos montanistas não despertava qualquer semelhança na experiência como na memória cristãs. Tanto que o montanismo foi considerado à margem da ortodoxia cristã da época.
Há, pelo menos, duas interpretações para a rejeição cristã ao montanismo. Na primeira, a igreja errou e o montanismo tinha razão. Na segunda, o montanismo foi o problema. Na primeira, (tendência do ponto de vista pentecostal), a igreja não teria compreendido corretamente o montanismo. O montanismo seria uma tentativa de reavivamento da fé apostólica. As “coisas estranhas” faladas pelos montanistas seriam uma linguagem não-idiomática semelhante à glossolalia apostólica e à atual. Segundo este viés, os cristãos do segundo século haviam se distanciado da igreja primitiva a tal ponto que não reconheciam o reavivamento e o fenômeno genuíno de “línguas”. Este ponto de vista justifica a glossolalia pentecostal.
Numa segunda perspectiva, o montanismo foi o problema. Não se questiona, que a “glossolalia” montanista se parecesse com a atual e que o montanismo foi uma tentativa de reavivamento. O que se põe em dúvida é considerar o montanismo um retorno a uma prática apostólica. Também há sérias dúvidas de que a igreja cristã, já em meados do segundo século tenha se esquecido da glossolalia apostólica.
A peça-chave deste argumento é que Montano era um sacerdote cibeliano da Frígia, recém-convertido ao cristianismo. E o “tipo de profecia” dos montanistas era “semelhante às visões extáticas e frenesis selvagens dos sacerdotes de Cibele”. Na antiga religião de Montano, “o sacerdote pagão podia jejuar, sofrer dor, dançar, ter visões, e profetizar”.
Sem considerar as distorções doutrinárias montanistas com rigor, Boer parece resumir a problemática: “ao se tornar cristão, ele deixou o paganismo, mas expressou sua nova religião da antiga maneira de pensar”. Logo, é plausível que a “glossolalia” montanista se tratasse de uma reminiscência dos excessos frígios. Sob esta ótica, a glossolalia pentecostal perdeu o apoio da igreja do segundo século e se alinhou com uma religião não-cristã da mesma época.

Orígenes (c.195-254), se opôs a um certo Celso, que clamava ser divino, e falava línguas incompreensíveis:
“A estas promessas, são acrescentadas palavras estranhas, fanáticas e completamente ininteligíveis, das quais nenhuma pessoa racional poderia encontrar o significado, porque elas são tão obscuras, que não têm um significado em seu todo.” (Contra Celso, VII:9)
Uma linguagem ininteligível soa “estranha”, “obscura” e “fanática” para Orígenes. Assim como para Irineu e mais tarde foi para Eusébio, os três sequer comparam os fenômenos linguísticos de Marcos, Montano e Celso a uma suposta glossolalia não-idiomática. Não se pode dizer que condenaram “falsas glossolalias” porque sequer a consideravam como “glossolalias”. Para Orígenes, as palavras “completamente ininteligíveis”, eram mais o subproduto de uma distorção religiosa.


quarta-feira, 10 de junho de 2015

A DOUTRINA DE TERTULIANO SOBRE A TRINDADE

 1. A DOUTRINA DE TERTULIANO SOBRE A TRINDADE
Tertuliano quanto à doutrina da Santíssima Trindade é mais explícita do que todos os demais pais da igreja.
Provavelmente por causa da tendência da Igreja Ocidental, da qual faziam parte. Tertuliano procurou tornar mais explícito em relação á Trindade, ao descreverem o Pai, o Filho e o Espírito Santo, usando o termo ‘Pessoa’ (Persona), termo aplicado ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.
Nos escritos de Tertuliano surge pela primeira vez á expressão ‘Trindade’, afirmando numa passagem da obra Adversus Praxean, que o Espírito Santo também é uma ‘Pessoa’, de modo que a Divindade é uma "Trindade".
Ele nos deixou a linguagem adequada em latim para expressar este grande mistério, introduzindo os termos de uma substância e três pessoas, esse termo não somente, proporcionou uma definição eficaz sobre o mistério Pai, Filho e Espírito Santos, como também foram decisivo nos conflitos posteriores com o arianismo.

1.2. O FILHO (JESUS) NA TRINDADE
Ele Também desenvolveu uma linguagem correta para expressar a dupla natureza de Cristo, o mistério de Cristo, filho de Deus e verdadeiro homem. Essa na verdade era o argumento que Tertuliano sempre defendia. Ou seja, para ele os cristãos não deixavam de adorar os deuses pagãos, simplesmente por deixar, mais o faziam na certeza de terem encontrado o verdadeiro Deus, Cristo Jesus o senhor. Como isso, toda a síntese proposta no credo de Nicéia, devem com certeza as contribuições de Tertuliano.

1.3. O PNEUMA (ESPIRITO SANTO) NA TRINDADE
O autor africano fala do Espírito Santo, demonstrado seu caráter pessoal e divino o mesmo diz: “Cremos que, segundo sua promessa, Jesus Cristo enviou por meio do pai o Espírito Santo, o paráclito, o santificado da fé de que crê: no Pai, no Filho e no Espírito Santo” (apologética 2).
Em Tertuliano o paráclito (consolador, ajudador, advogado) não era uma emanação da divindade, ou quem sabe uma espécie de “força ativa” de seu poder, como mais tarde afirmaria os “Testemunhas de Jeová”, mais sim a terceira pessoa da trindade, portanto Deus.

1.4. O PAI, O FILHO E O ESPIRITO SANTO
 Embora três, as pessoas são manifestação de um único poder indivisível, entre os três a uma distinção ou disposição, não uma separação, Tertuliano afirma que quando Jesus afirmou ‘Eu e o Pai somos um’, mostrou que os três são ‘uma única realidade’, não uma ‘única pessoa’, existindo uma identidade de substancia e não uma mera unidade numérica.

O PENSAMENTO DE ORÍGENES SOBRE A TRINDADE

1. A DOUTRINA DE ORÍGENES SOBRE A TRINDADE.

A fonte e o fim de toda a existência é Deus o Pai. Somente Ele é Deus no sentido estrito, apenas Ele sendo não gerado. A este respeito, Orígenes afirma ser significativo que Cristo falou dEle no Evangelho de São João como "o único Deus verdadeiro" (Jo. 17 - 3).
Sendo o Pai perfeita bondade e poder, sempre deve ter tido objetos em quem exercê-las. Portanto, o Pai trouxe à existência um mundo de seres espirituais, ou almas, que são co-eternas consigo. Para servir de mediador entre sua absoluta unidade e a multiplicidade das almas, porém, Deus Pai tem o seu Filho, sua imagem expressa. Assim, o Filho possui uma dupla relação para com o Pai e para com o mundo.
O Pai gera o Filho por um ato eterno, fora da categoria do tempo, de modo que não se pode dizer que (Ele) existia quando (o Filho) não existia. Além disso, o Filho é Deus, embora sua deidade seja derivada, e portanto Ele é um Deus Secundário, ou,na expressão grega original, `Deuteros Teos'.
Em terceiro lugar há o Espírito Santo, "o mais honorável de todos os seres trazidos à existência através do Verbo, o primeiro da série de todos os seres originados pelo Pai através de Cristo".
1.2. DISTINÇÃO DAS PESSOAS NA SANTÍSSIMA TRINDADE
Orígenes afirmou que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três Pessoas, a palavra empregada por ele para significar Pessoa sendo o termo grego "Hipóstase".
O termo que Orígenes emprega, "Hipóstase", originalmente é sinônimo de "Ousia". Ambos significam "Essência", ou aquilo que uma coisa é, e não a substância individual. Em Orígenes, entretanto, embora "Hipóstase" seja empregado às vezes com o significado de essência, o mais freqüente é que ele lhe dê o sentido de subsistência individual.
Orígenes afirma que o erro do monarquianismo está em tratar os Três como numericamente indistintos, separáveis somente pela razão, "não um só na essência, mas também na subsistência".
A doutrina verdadeira, na opinião de Orígenes, é que o Filho "é outro em subsistência além do Pai, mas um só em unanimidade, harmonia e identidade da vontade".
Assim, enquanto realmente distintos, os Três são de um outro ponto de vista um só; conforme Orígenes se expressa, "nós não temos receio de falar em um sentido de dois Deuses, em outro sentido de um Deus".
1.3. A UNIDADE DAS PESSOAS NA SANTÍSSIMA TRINDADE.
Em algumas passagens, Orígenes realmente representa a unidade das Pessoas como uma união moral. Ele afirma que elas são "um só em unanimidade, harmonia e identidade de vontade", suas vontades sendo virtualmente idênticas. Mas, consideradas isoladamente, tais passagens não fazem justiça ao pensamento integral de Orígenes a este respeito.
O ponto básico é que o Filho foi gerado, não criado, pelo Pai. Como gerado do Pai, Ele é eternamente emanado do ser do Pai e assim participa em sua Divindade. O Filho procede do Pai como a vontade da mente, a qual não sofre divisão neste processo. De acordo com o Livro da Sabedoria, Ele é um "sopro do poder de Deus, uma pura influência da glória do Todo Poderoso". Sab. 7, 25
Orígenes utiliza esta passagem para mostrar que "ambas estas ilustrações sugerem uma comunidade de substância entre o Pai e o Filho, porque uma efluência parece ser ‘homoousios', isto é, de uma só substância, com aquele corpo do qual esta é uma efluência ou vapor".
Assim segundo Orígenes, a unidade entre o Pai e o Filho corresponde àquela unidade que existe entre a luz e o seu brilho, ou entre a água e o vapor que dela emana.
Se, no sentido mais estrito, somente o Pai é Deus, não é porque o Filho não é também Deus ou não possui a Divindade, mas porque, como Filho, Ele a possui por participação ou de maneira derivada.
1.4. O ESPÍRITO SANTO.
O Espírito Santo, diz Orígenes, "fornece àqueles que são chamados santos, por causa dEle e de sua participação nEle, a matéria de suas graças, se é possível descrevê-las assim". "Esta matéria de suas graças", continua Orígenes, "é feita por Deus, ministrada por Cristo, e chega à subsistência individual como o Espírito Santo".

Assim, a raiz última do ser do Espírito Santo é o Pai, mas Ele é mediado para com o Pai pelo Filho, do qual o Espírito Santo também deriva todos os seus atributos distintivos.